Entenda a composição dos juros e como se desvencilhar das dívidas
Por: JENNE ANDRADE / jennefer.andrade@estadao.com
Joice Nunes, assistente administrativa, teve problemas financeiros em janeiro deste ano. Com o marido desempregado, o casal precisou racionar o capital e o pagamento das contas do mês, que somavam R$ 2.640,36, precisou entrar no cartão de crédito OuroCard, do Banco do Brasil.
Em fevereiro, a fatura ficou R$ 502,44 mais cara apenas com juros e taxas – deste montante, R$ 52,81 se referia à multa por atraso e R$ 449,63 referente ao temido crédito rotativo”, modalidade que possui as taxas mais altas do mercado e acionado quando o consumidor não consegue fazer o pagamento total da fatura do cartão na data do vencimento.
No caso do OuroCard, os juros do rotativo chegaram a 17% no mês. Somado a novos gastos e compras já parceladas anteriormente no cartão, o valor da fatura subiu para R$ 5.042,36. Em março, novas multas por atraso e encargos foram somados, o que jogou a cifra para R$ 6.594,18. Hoje, a dívida está em R$ 7.316,24.
“Falei com o gerente para tentar uma negociação, mas eu pagaria quase três vezes o valor em juros se fizesse o parcelamento”, relata Nunes. Na proposta mais baixa, que caberia no bolso da assistente administrativa, ela precisaria pagar 120 parcelas de R$ 159,94 (R$ 19,1 mil no total, ou seja, juros de 162,3%). Já na proposta de parcela mais alta seria preciso pagar 12 vezes de R$ 708,68 (R$ 8,5 mil, no total, com juros de 16,24%). Ela preferiu não realizar o pagamento, por ora. “Estou juntando dinheiro para quitar depois com desconto”, diz Joice.
Histórias como a de Joice não são raras. Vale destacar, porém, que o Banco do Brasil não figura no ranking das instituições com as maiores taxas do juro rotativo. Em nota enviada ao E-Investidor, o banco diz que oferece duas modalidades de financiamento: o parcelamento automático da fatura e o parcelamento aprovado com o limite do CDC, espécie de crédito pré-aprovado. De acordo com o banco, o cliente pode escolher entre parcelas que vão de 3 a 24 meses. No site da estatal financeira, o consumidor encontra a relação de condições para parcelamento.
Juro recorde em 2023
Segundo dados do Banco Central, em maio, a média de juros cobrados por instituições financeiros no rotativo do cartão de crédito foi de 455,1% ao ano (15,35% ao mês) – o maior nível desde março de 2017. Entretanto, esse porcentual pode variar bastante, para cima ou para baixo, dependendo da instituição financeira.
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No último Relatório de Taxa de Juros do Banco Central (BC), com dados colhidos entre 15 e 21 de junho, a instituição Omni SA, por exemplo, cobra no rotativo um juro de 1093,59% ao ano (22,9% ao mês). Devido aos altos porcentuais, a autoridade monetária definiu em 2017 que o consumidor só pode ser submetido ao crédito rotativo por 30 dias. Depois, a instituição é obrigada a oferecer opções de parcelamento, com taxas atrativas. Ainda assim, a média de juros cobrados no parcelamento chega a 194,2% ao ano (9,41% ao mês).
“Embora o juro do parcelamento ainda seja muito alto, é geralmente metade do juro no rotativo”, afirma Carlos Castro, planejador financeiro e sócio fundador da SuperRico – Projetos de Vida.
É necessário a anuência do cliente para que esse parcelamento ocorra. Ou seja, mesmo que a fatura esteja atrasada há mais de um mês, a instituição financeira não pode parcelar automaticamente os valores devidos. “O consumidor não é obrigado a aceitar o parcelamento. Se não houver essa concordância, o banco deve tentar outros meios de obter esse crédito”, afirma João Marques, da Marques Silva Advogados. “Quando um cliente assina um contrato de parcelamento, ele tem acesso a todas as informações de juros e multas – e concorda com aquilo. Quando há esse parcelamento compulsório, não existe tal concordância.”
Entretanto, foi isso que ocorreu com Mônica Torres, policial civil. Ela tinha o costume de pagar as faturas do cartão de crédito com alguns dias de atraso. Contudo, acabava quitando a do mês vigente, não a fatura do anterior, que já estava fechada. Ficou em inadimplência e, quando se deu conta, tinha vários parcelamentos contratados automaticamente.
No total, Mônica acumulou uma dívida de R$ 10 mil em parcelamentos. “Até hoje não entendi o cálculo do banco”, diz Torres.
Por que taxas tão altas?
Hoje, a taxa básica de juros da economia, a Selic, se encontra em 13,75% ao ano. Ela serve como parâmetro para o rendimento de aplicações financeiras e todas as outras taxas de mercado, o que levanta a questão: por que os juros efetivamente praticados no País são tão mais altos que a Selic?
Eduardo Mira, analista CNPI-T e sócio da Me Poupe!, explica que as taxas praticadas nos bancos são compostas por três itens: a Selic, que é o mínimo para remunerar investidores que compram títulos de renda fixa da instituição, como os Certificados de Depósitos Bancários (CDBs); o lucro do banco (spread), que é uma parcela menor dentro desta composição; e o risco de inadimplência.
Este último tópico responde pela maior parte dos juros cobrados aos clientes. “Até porque mesmo se o correntista não pagar o cartão de crédito o banco não pode deixar de pagar os rendimentos de quem investe nos CDBs”, afirma Mira. “O cartão é um instrumento em que, para o banco, o risco se torna bastante alto.”
Quando um consumidor deixa de pagar o cartão de crédito, a principal consequência está na inclusão do nome dele no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Entretanto, depois de cinco anos, a dívida “caduca”.
Castro, da SuperRico, ressalta que o avanço do endividamento da população brasileira acompanha o aumento das taxas praticadas pelos bancos. Por isso, mesmo que a visão do mercado seja de que o BC fará cortes na Selic em breve, os juros dos cartões podem não diminuir no mesmo ritmo. “O risco da inadimplência pesa muito e é transferido para o custo de crédito. Então hoje o custo de crédito está maior, porque o risco de inadimplência subiu muito”, diz.
E nem todo juro alto significa “juro abusivo”. Marques, da Marques Silva Advogados, ressalta que não há um entendimento único na lei sobre o que configura abuso, quando o assunto envolve cobrança de taxas. Somente uma análise caso a caso permite entender se os porcentuais de multa e encargos estabelecidos em contrato foram descumpridos de alguma maneira.
Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, vê os juros altos como um fator que protege a instituição financeira, mas que leva muitos brasileiros a decidirem não pagar. “Como os juros são altos, na maioria das vezes não compensa para o consumidor”, diz.
Como se “desenrola”?
O consumidor que entrou em uma bola de neve de juros no cartão de crédito deve, como primeiro passo para se “desenrolar”, negociar com os bancos a melhor forma de pagamento. Ele deve ler atentamente as condições de juros e encargos estabelecidas no contrato do cartão, para se certificar que as cobranças são devidas.
“Cada instituição financeira pode ter políticas diferentes, por isso é essencial conversar diretamente com o banco para entender quais opções estão disponíveis. Ao agir prontamente, o cliente estará demonstrando responsabilidade e disposição para resolver a situação”, ressalta Carol Stange, educadora em finanças pessoais.
Caso a negociação com o banco não tenha resultado em uma solução viável, o consumidor pode pesquisar a contratação de empréstimos para cobrir a dívida no cartão. Desta forma, é possível trocar uma dívida mais cara, como a do cartão de crédito, por uma mais barata, como a de um consignado.
Existem também casos especiais em que o consumidor pode não ser obrigado a arcar com os encargos financeiros. Clientes que tiveram problemas graves de saúde ou ficaram de alguma forma impossibilitadas de cuidar das finanças e manifestar as vontades entram nesta situação. “Nesses casos, o cliente tem todo o direito de ter encargos reduzidos, pois foi algo de força maior”, diz Marques, da Marques Silva Advogados.